Ọ̀rọ̀

Ṣàngóṣọlá
4 min readApr 21, 2020

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Para nós, a palavra é capaz de encantar, amaldiçoar, abençoar, paralisar, ativar essências, dar vida, matar, fortalecer, enfraquecer, destruir e tornar real.

Por isso o nosso cantar é tão bonito, mexe tanto com as nossas emoções e de qualquer um que ouça.

Saca quando a galera fala que "O Péricles não canta, ele fala com a gente"? ou quando a Alcione começa a cantar os amores que não deram certo e aquilo nos atinge de uma forma que a gente sofre mesmo que não esteja tendo problemas amorosos? Ou quando o canto vindo do gunga nos faz respirar na mesma frequência e sem perceber a gente começa a cantar? É só essa magia acontecendo.

Vocês conseguem imaginar o poder que temos?

Por isso são tão perigosas as falas que detonam o homem negro, não só porque os tornam um alvo a ser eliminado, mas porque faz com que o próprio homem preto acredite no que ouve e internalize que é eliminável, pequeno, se sinta tão péssimo que tenha vontade de pedir desculpas por ser quem é.

Pega uma das frases de Muhammad Ali:

Sou o maior. Disse isso a mim mesmo inclusive antes de saber que o era”.

Ele sempre colocava em palavras o quanto era grande, bonito, inteligente, poderoso. E não só por realmente ser, mas de tanto dizer e buscar ser ~ ele se tornou o maior. Aquilo se tornou real, palpável, tão real que chegava a ser ridículo tentar confrontar o que ele afirmava sobre ele mesmo. A vontade dele de ser grande atropelou qualquer chance dele não ser. Ele admirava os grandes, inspirava-se em Malcolm X com quem tinha uma amizade (infelizmente rompida) e em outros líderes. Seguia a disciplina que a Nação do Islã exigia, treinava para que o seu corpo e espírito estivessem fortes.

“Impossível é apenas uma palavra usada pelos fracos que acham mais fácil viver no mundo que lhes foi determinado do que explorar o poder que possuem para mudá-lo. O impossível não é um fato consumado. É uma opinião. Impossível não é uma afirmação. É um desafio. O impossível é algo potencial. O impossível é algo temporário. Nada é impossível”.

E as pessoas podiam chamá-lo de arrogante, mas ele se fazia grande porque respeitava suas palavras e tentava ao máximo cumprir o que dizia. Ele pagou grandes custos por isso. Ele poderia ter escolhido o caminho aparentemente mais fácil: Era só voltar atrás em algo que disse; Era só não respeitar a própria vontade; Era só não falar sobre a própria religião; Era só não tornar a mudança de nome pública; Era só não falar sobre racismo; Era só dizer que ia pra guerra, nem precisava participar, era só ir; Era só aceitar o que outros haviam imposto pra ele; Era só deitar.

Mas ele não deitou! Custou títulos, liberdade, dinheiro, competir profissionalmente… foram anos em disputa com a "justiça". Era um preto desafiando os EUA. Ele pagou os custos porque sabia que era grande, não era o título que comprovava sua grandeza, ele era grande independente de qualquer cinturão, a comunidade sabia que ele era grande, aquilo que os juízes teimavam em retirar com uma canetada(a palavra escrita que os brancos tanto usam para registrar mentiras)~ Ali reconquistaria com os punhos. Foi no Congo que ele se consagrou o Maior, o campeão do mundo.

Foi dentro dele mesmo que ele se fez gigante, um gigante tão poderoso que era capaz de contagiar a todos. Um gigante tão poderoso que via nos seus iguais o mesmo potencial. Foi herói e salvou um homem que desejava se suicidar, chorou com o mesmo, declarou o seu amor por um irmão que nunca havia visto e que acreditou nele, Muhammad o fez se sentir importante e indispensável. Assim como Ali fez com ele próprio, ele foi capaz de fazer com o rapaz que estava prestes a se suicidar e tantos outros homens pretos vissem nele uma inspiração, uma referência de como ser grande e extraordinário. Inspiração para um povo, inspiração para sua filha Laila Ali.

Se fez livre e libertou tantos outros.

“Cassius Clay é o nome de um escravo. Não foi escolhido por mim. Eu não o queria. Eu sou Muhammad Ali, um homem livre.”

E como ele mesmo disse, foi o campeão mais bonito da história.

“Voe como uma borboleta, ferroe como uma abelha” arte digital — Rafaela Nascimento
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